post scriptum

Quando o pensamento te faz mancar

elevadorJorge, um estudante universitário do curso de administração, já não é mais um sedentário. Ele faz faculdade, trabalha e frequenta a academia; menos do que deveria e mais do que gostaria. Por morar no andar mais alto de um grande prédio residencial em uma grande metrópole brasileira, o hábito de usar o elevador já tinha se tornado praticamente um reflexo.

Ao chegar no prédio comercial em que trabalha, no início da tarde de uma sexta-feira do mês de maio, ele resolve esperar um dos dois elevadores do local, que tem sete andares e um fluxo de pessoas um tanto intenso. Jorge trabalha no segundo andar e sente o músculo adutor da perna esquerda reclamar após dois dias intensos de malhação pesada na academia; para ele, o exercício físico também é uma maneira de jogar todas as energias ruins fora, nem que seja na base da força.

O elevador chega, ele entra. Aperta o botão do segundo andar. Dois homens, na faixa dos 40 anos, que também trabalham no prédio, entram. Um deles aperta o botão do sexto andar. A porta começa a fechar e, no último suspiro, uma mão surge do além. As portas voltam a abrir e mais um homem entra. Ele aperta o botão do primeiro andar e as portas se fecham. O silêncio no elevador é quebrado por uma versão instrumental da música “Mas que nada”, de Sergio Mendes.

As portas se abrem, o homem sai. Um dos dois outros homens que ficaram, e desceriam apenas no sexto andar, comenta:

— Quase se jogar pra dentro do elevador para descer no primeiro andar é o cúmulo da preguiça. Por que não usar a escada?

Concordando, o outro ainda acrescenta uma crítica ao físico do homem:

— Talvez seja por isso que está com aquela barriguinha de chopp.

No momento, Jorge, ouvindo a conversa e olhando para a porta, só consegue pensar:

— Puta merda… Vou descer no segundo andar e os caras vão achar que sou um enorme preguiçoso.

O elevador para no segundo andar, as portas se abrem. Um estralo no pensamento faz Jorge sair do elevador mancando. A desculpa mental é como se a intensidade do treino da noite anterior – da qual já está acostumado, diga-se de passagem – ocasionasse em uma semana de molho, por causa do tal adutor da perna esquerda. Era a desculpa que ele queria pra mais tarde, inclusive.

Post scriptum: até o momento, Jorge nem imagina o assunto que perdurou dentro do elevador após ele sair. E, com certeza, nunca vai descobrir. E, não… Ele não foi a academia mais tarde.